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A comunicação não violenta (CNV) pode mesmo “calar e adequar alguns grupos sociais”?

Uma reflexão diante da postagem de Thais Basile (@thaisbasile)

Ontem, recebi no meu direct uma enxurrada de mensagens me pedindo para comentar o seguinte conteúdo:

A psicanalista e educadora parental também trouxe alguns trechos do livro “A linguagem da paz em um mundo de conflitos”, com falas de Marshall Rosenberg, o criador da CNV, e na legenda do post escreveu: 

“Num contexto de violências, pedir pra uma vítima ser “mais leve” e ter “empatia” com seu agressor é revitimizá-la… Somente digo que temos que abrir os olhos com práticas que podem ser mais nocivas para grupos minoritários do que apaziguadoras.”

Então, vamos por partes:

1) Concordo que o uso da CNV, apenas como linguagem e sobretudo apenas no que diz respeito à escuta empática pode aumentar a submissão para a qual nós mulheres já fomos socialmente doutrinadas. E é fato que muitas mulheres procuram meus cursos de CNV porque querem ser mais assertivas ou “menos agressivas”. Para mim, um retrato claro do quanto aprendemos “bem” a dedicar nossas vidas a servir os outros e prestar pouca atenção a nós mesmas.

2) Que a busca de muitas pela CNV venha a partir desta perspectiva, não significa que este seja o convite da abordagem, ao contrário. Minha jornada na CNV e o que eu compartilho com outras mulheres há 5 anos, se trata exatamente de desenvolver poder pessoal, talvez o que a Thais chama de “fortalecimento individual”. Foi assim que a CNV chegou na minha vida, como um convite à autoconexão, a validar minhas próprias necessidades e atuar para satisfazê-las, em lugar de apenas servir às necessidades dos outros.

3) Infelizmente, para muitos, a CNV é compreendida apenas como linguagem: o que dizemos ao outro em resposta a suas ações e falas (seja na escuta ou na expressão). Esquecemos de integrar o convite a uma mudança na maneira de pensar, nos comunicar e agir (escolher nossas estratégias de maneira consciente, meu principal aprendizado inclusive) e nos restringimos aos “malditos” 4 passos (gostaria MUITO de abolir essa ideia sobre a CNV da face da terra). Se vista e utilizada nesta perspectiva reducionista, sem toda a reflexão e desconstrução a que nos propõe, concordo que pode ser perigosa, fomentar a manipulação, a submissão e a violência. Por este motivo, como formadora, não ensino ninguém a “falar CNV” e me irrito, quando vejo pessoas fazendo isso.

4) Acredito que a CNV nos oferece diversas ferramentas de empoderamento pessoal e apenas a partir daí, podemos nos colocar à serviço do outro e do coletivo de maneira consciente. Como encontrar caminhos satisfatórios para todos, se eu não sei o que serve a mim?

5) A escuta empática é apenas uma dessas ferramentas. E não significa que TEMOS QUE oferecê-la, muito menos a um ofensor. No meu aprendizado sempre foi claro que oferecemos empatia quando temos espaço emocional, podemos e queremos. Não é a primeira vez que vejo disseminada, no Brasil,  essa ideia de que a CNV “diz que a vítima precisa empatizar”. Eu nunca li nada assim ou escutei esse tipo de “recomendação” na minha jornada como formadora de CNV. Afirmar que oferecer empatia pode transformar a situação não é o mesmo que dizer que TEMOS QUE oferecê-la, ok?

6) No trecho apresentado do livro, Marshall descreve especificamente um dos processos em que é possível usar a CNV para transformar dores profundas. Já vivenciei alguns destes processos, não com o ofensor “real” mas com um formador interpretando o ofensor. Nos meus 5 anos de  prática de CNV, desconheço processo mais liberador e sanador. Aprendi que a vítima oferecer empatia ao ofensor não é parte obrigatória e nem induzida no processo. Vi acontecer naturalmente algumas vezes, outras não, após o ofensor expressar as necessidades que tentava satisfazer quando fez o que fez.

Concordo que obrigar a vítima a fazê-lo seria violento, como opina Thais e várias pessoas que comentaram seu post. Talvez, a maneira “simplória” como o processo está descrito neste trecho do livro dê margem a essas interpretações. E meu desejo é que possamos dialogar também sobre isso, em lugar de simplesmente colocar a CNV no grupo de “práticas que podem ser mais nocivas para grupos minoritários do que apaziguadoras”, porque acredito justamente no contrário: na CNV como um caminho de liberação e empoderamento individual e coletivo, sobretudo para estes grupos. Vamos conversar?

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