Reflexões sobre o que nos desconecta e dita nossos comportamentos
Mais um “período de festas” e mais um ano em que as redes sociais são inundadas de memes e recados sobre as “violências insistentes” na convivência familiar. “Por que eles não mudam? Por que não conseguem respeitar nossas escolhas de vida? Por que seguem fazendo perguntas inconvenientes e comentários invasivos?” São algumas das perguntas que toda uma geração (na qual me incluo) costumam fazer sobre seus familiares, nesta época.
Eu também desejaria que fosse mais simples, ao mesmo tempo, aprendi a compreender a complexidade dessa dinâmica familiar e a banalização de uma violência, que muitos não conseguem, ainda, enxergar.
Nossos pais, tios, avós, etc. aprenderam que para ser amados precisavam agradar e isso, para a maioria deles, significou se submeter às regras e expectativas sociais. Você já parou para conversar com alguns deles e escutar quais eram seus sonhos juvenis? Quais eram suas habilidades artísticas? Quais eram suas fantasias e desejos? Como eles queriam viver suas relações e sexualidade?
Toda criança chega autêntica a este mundo. Todo ser humano tem em si mesmo um guia de como construir sua própria vida. Isto é verdade para você, para mim e também para eles.
Em alguns deles esses sonhos e desejos seguem vivos, ainda que adormecidos. Outros chegaram a esquecer quem gostariam de ser neste mundo. Na comunicação não violenta chamamos isso de uma vida em desconexão, na qual a gente está muito mais preocupado com o que os outros pensam de nós, do que com o que nosso mundo interno está nos pedindo e como gostaria de se expressar no mundo.
E se eles estão desconectados de si mesmos, como seriam capazes de se conectar conosco? De escutar quem queremos ser? Nossos sonhos, escolhas e desejos? É também um mecanismo de proteção que suas mentes criaram.
Afinal, é mais fácil abrir mão da autenticidade se todos ao meu redor fazem o mesmo. Imagina como seria para eles descobrirem que podem resgatar tudo isso que desejavam ser?
Então, as violências insistentes são uma reprodução do que aprenderam. São padrões que vemos se repetir em muitas famílias. Muitos deles simplesmente não sabem mais pensar ou comunicar fora da caixa “quem você deveria ser”.
E acredite que para muitos deles também não tem sido fácil. Quanto mais vivemos nossa autenticidade, mais nossos familiares experimentam distância de nós.
Alguns até tentam se aproximar, mas na escassez de recursos, se desesperam ao falhar e acabam sendo ainda mais violentos na tentativa de não “nos perder”. Muitos já perderam a si mesmos e agora estão perdendo seus filhos, sobrinhos e netos.
Por outro lado, nós fomos educados por eles. Recebemos, desde pequenos, essas mesmas mensagens sobre encaixe social e o condicionamento do amor a comportamentos moralmente aceitos. E por que não estamos nos submetendo como eles? Por que, ao invés disso, estamos nos rebelando?
Aprendi com Carl Rogers que abrir mão de quem se é já foi mais fácil. Antes, a família e sociedade esperavam o mesmo de nós e esse era o único pertencimento possível. Havia, portanto, algum conforto e segurança em deixar de lado a própria autenticidade.
Hoje, não é mais assim. Existem muitas e cada vez mais possibilidades de pertencer para além de nossas famílias e “padrões sociais”. Se a gente escolhe a autenticidade, haverá sempre uma tribo da qual podemos nos aproximar, a qual podemos pertencer. E é por isso que hoje, muitos podemos expressar incômodos e fazer outras escolhas. E ainda bem.
Compreender não significa concordar. Mas ajuda a transformar um possível sofrimento de seguir tentando “mudar” o ambiente familiar. Ao reproduzir padrões e violências, eles podem estar demonstrando amor, da maneira que sabem, ou podem estar fazendo pedidos desesperados de ajuda (de quem já abriu mão de si mesmo).
Claro, você não tem que receber nem um, nem outro. Não é seu trabalho libertá-los, nem muito menos acolher os impactos negativos desses comportamentos em sua vida. Seu trabalho é criar caminhos para cuidar de si mesmo, apesar de tudo isso. E apenas você pode decidir se quer fazer isso estando perto ou se precisa de distância.